terça-feira, 28 de setembro de 2010

Escola
Moacir Gadotti
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Paulo Freire era um educador que sempre falava bem da escola, mesmo quando criticava a escola conservadora e burocrática. Ele a concebia como um espaço de relações sociais e humanas. Uma das contribuições originais de Paulo Freire refere-se à importância da informalidade na aprendizagem: Se estivesse claro para nós que foi aprendendo que aprendemos ser possível ensinar, teríamos entendido com facilidade a importância das experiências informais nas ruas, nas praças, no trabalho, nas salas de aula das escolas, nos pátios dos recreios, em que variados gestos de alunos, de pessoal administrativo, de pessoal docente se cruzam cheios de significação (Freire, p. 50).

Paulo Freire insistia que não é só na escola que a gente aprende. Como instituição social, ela tem contribuído tanto para a manutenção quanto para a transformação social. A escola, para ele, não é só um lugar para estudar, mas para se encontrar, conversar, confrontar-se com o outro, discutir, fazer política. A escola não pode mudar tudo nem pode mudar a si mesma sozinha. Ela está intimamente ligada à sociedade que a mantém e é, ao mesmo tempo, fator e produto desta. Como instituição social, ela depende da sociedade e, para mudar, depende também da relação que mantém com outras escolas, com as famílias, com a população.

Paulo Freire nos fala, em sua Pedagogia da Autonomia, da “boniteza de ser gente” (1997, p. 67), da boniteza de ser professor:“Ensinar e aprender não podem dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria”. Ele chama a atenção para a essencialidade do componente estético na formação do educador. Uma estética que não é separada da ética. Ele fala da importância da “boniteza” das escolas, da importância formadora dos espaços: “É incrível que não imaginemos a significação do discurso ‘pronunciado’ na e pela limpeza do chão, na boniteza das salas, na higiene dos sanitários, nas flores que adornam. Há uma pedagogicidade indiscutível na materialidade do espaço” (Freire, p.50).

Paulo Freire foi um defensor da escola pública, que é a escola da maioria, das periferias, dos cidadãos que só podem contar com ela. Ele entendia a escola pública como “escola
pública popular” (grande mote de sua gestão na Secretaria de Educação da Prefeitura de São Paulo), como “escola cidadã”. Paulo Freire defendia a escola pública como espaço de
resgate científico da cultura popular, como espaço de organização política das classes populares e instrumento de luta contra-hegemônica.

No dia 19 de março de 1997, nos Arquivos Paulo Freire, em São Paulo, numa entrevista à TV Educativa do Rio de Janeiro, ele falou de sua concepção de Escola Cidadã:
"Escola Cidadã é aquela que se assume como um centro de direitos e de deveres. O que a caracteriza é a formação para a cidadania. A Escola Cidadã, então, é a escola que viabiliza a cidadania de quem está nela e de quem vem a ela. Ela não pode ser uma escola cidadã em si e para si. Ela é cidadã na mesma medida em que se exercita na construção da cidadania de quem usa o seu espaço. A Escola Cidadã é uma escola coerente com a liberdade. É coerente com o seu discurso formador, libertador. É toda escola que, brigando para ser ela mesma, luta para que os educandos-educadores também sejam eles mesmos. E, como ninguém pode ser só, a Escola Cidadã é uma escola de comunidade, de companheirismo. É uma escola de produção comum do saber e da liberdade. É uma escola que vive a experiência tensa da democracia."

Desde seus primeiros escritos, Paulo Freire considerou a escola muito mais do que as quatro paredes da sala de aula.
Criou o Círculo de Cultura, como expressão dessa nova pedagogia que não se reduzia à noção simplista de aula. Na sociedade do conhecimento de hoje, isso é muito atual, já que agora o “espaço escolar” é muito maior do que a escola. Os novos espaços da formação (mídia, rádio, TV, vídeo, igrejas, sindicatos, empresas, ONGs, família, internet...) alargaram a noção de escola e de sala de aula. A educação tornou-se comunitária, virtual, multicultural e ecológica, e a escola estendeu-se para a cidade e para o planeta.

Em 1974, em Genebra, Paulo Freire teve um célebre encontro com o filósofo austríaco Ivan Illich, que estava publicando, naquele ano, seu livro Sociedade sem Escolas (Editora Vozes). No debate que tiveram, ambos criticaram a escola tradicional. Entre a burocratização da instituição escolar, os dois demandaram que os educadores buscassem seu desenvolvimento próprio e a libertação coletiva para combater a alienação das escolas, propondo o redescobrimento da autonomia criadora. Apesar desses pontos em comum, existem consideráveis divergências entre eles. No trabalho de Ivan Illich, podemos encontrar um pessimismo em relação à escola. Ele não acredita que ela tenha futuro. Por isso seria necessário “desescolarizar” a sociedade. Em Paulo Freire, encontramos otimismo. A escola pode mudar e deve ser mudada, pois exerce um papel importante na transformação social.

O que une Illich e Freire é a crença profunda em revolucionar os conteúdos e a pedagogia da escola atual. Os dois acreditam que essa mudança é, ao mesmo tempo, política e pedagógica e que a crítica da escola é parte de uma crítica mais ampla à civilização contemporânea. Para Paulo Freire, a escola é um lugar especial, um lugar de luta e de esperança. Por isso, ela precisa ser para todos e de qualidade.

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